Acessibilidade no transporte público

acessibilidade no transporte publico

Pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida têm saído de casa cada vez mais. Em função disso, é grande a demanda por acessibilidade no transporte público, e só tende a crescer.

Há poucas décadas, no Brasil, ônibus ou metrô acessíveis não passavam de uma ideia distante, e foi necessário muito empenho para que a transformação acontecesse na acessibilidade no transporte público.

Como adquiri uma deficiência física no início dos anos 1970, não só acompanhei essas mudanças como fui fortemente impactada por elas. Quando comecei a usar ônibus, a palavra “acessibilidade” ainda não fazia parte do vocabulário. Pessoas com deficiência viviam reclusas no lar ou em instituições, e eu era das poucas que ousavam enfrentar os ônibus de piso alto, a princípio carregada por minha mãe, quando eu era criança. Já no final da adolescência, passei a me aventurar sozinha, com ajuda de quem estava nos pontos de parada.

Era uma tarefa desafiadora para uma jovem de 1,50m que usava órtese (aparelho ortopédico) e muletas canadenses (aquelas que se apoiam no antebraço). O degrau tinha quase a metade da minha altura! Precisava contar com a boa vontade do motorista, a fim de que parasse bem próximo ao meio-fio, de forma a diminuir a elevação, assim como dos usuários, para me ajudar a ter sucesso naquele esporte de aventura.

Era assim que, durante anos, até adquirir automóvel, eu ia ao trabalho, ao médico ou à escola, e nem ao menos suspeitávamos que um dia seria diferente.

Em busca de mudanças

Ao longo dos anos, as pessoas com deficiência se mobilizaram em busca de melhores condições, mas foi a partir da Constituição de 1988 que ocorreram avanços mais significativos. Na educação, na saúde, no transporte e na arquitetura houve motivos para comemorações.

Hoje, pelo menos nas capitais e nas cidades com maior desenvolvimento, temos observado ações em busca de acessibilidade, em geral, e no transporte público, em particular. Já fazem parte da realidade de alguns municípios estações de metrô adaptadas, assim como ônibus com algum tipo de facilidade.

Do que precisa o sistema de transporte para ser acessível?

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência assegura, em seu art. 46, o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio da eliminação de todos os obstáculos.

Os critérios técnicos de acessibilidade a serem observados no sistema de transporte coletivo de passageiros urbano foram estabelecidos na NBR 14022:2011, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), atendendo ao disposto no Decreto nº 5.296/2004.

O assunto é vasto e complexo. Mas, iniciando uma reflexão, podemos considerar que, para uma pessoa com deficiência chegar a seu destino com segurança e autonomia, precisa ter acesso aos passeios, ao local de venda dos bilhetes, aos sanitários, aos postos de informação e, finalmente, aos terminais de embarque e desembarque. Além disso, dentro dos carros, necessita de local para se assentar ou se instalar com seu equipamento ou cão de serviço.

É fundamental lembrar, porém, que a acessibilidade abarca a totalidade das pessoas, com deficiência ou não. A tendência da população é considerar apenas os cadeirantes, mas há um universo de indivíduos que se beneficiam dela, ou mesmo têm sua circulação inviabilizada caso venha a faltar. Entre estas, estão as pessoas cegas, surdas ou idosas, assim como as gestantes e os que estão temporariamente com a mobilidade reduzida em razão de acidentes. 

Quantos municípios brasileiros têm acessibilidade no transporte público?

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou, no Perfil dos Municípios Brasileiros 2017 https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101595.pdf, que entre os 1.679 municípios que dispunham de serviço de transporte coletivo por ônibus intramunicipal (com circulação dentro do próprio município), apenas 197 (11,7%) estavam com a frota totalmente adaptada, 820 (48,8%) possuíam frota parcialmente adaptada e os demais 662 (39,4%) registravam frotas sem adaptação.

Entre os 1.017 municípios com frota total ou parcialmente adaptada, 98 não souberam informar o tipo de adaptação utilizado. Dos 919 restantes, em 292 (31,8%) as adaptações eram nas formas indicadas como prioritárias nas normas da ABNT (piso baixo ou piso alto com acesso realizado por plataforma de embarque/desembarque); em 549 (59,7%) a adaptação era apenas do tipo piso alto equipado com plataforma elevatória veicular; e em 78 municípios (8,5%) parte da frota adaptada contava com plataforma elevatória e parte com piso baixo ou piso alto com acesso realizado por plataforma de embarque/desembarque.

Esses dados nos revelam que uma parcela considerável da população está vivendo dificuldades ou até impedimento de acesso à escola, trabalho, lazer e saúde por falta de facilidades no transporte. E essa situação, sabemos, não impacta somente a vida das pessoas, consideradas individualmente, mas o próprio desenvolvimento das cidades.

Afinal, este é um público que não está exercendo plenamente sua cidadania, tem dificuldade de acesso à produção e ao consumo de bens e pode vir a ter problemas porque não consegue chegar ao sistema de educação e saúde.

Bons exemplos de acessibilidade no transporte

A boa notícia é que há municípios, no Brasil e fora dele, que têm promovido bons exemplos de intervenção para a acessibilidade no transporte público. Possivelmente seus gestores já compreendem que a acessibilidade é fundamental para o desenvolvimento socioeconômico, e não somente uma garantia de direito. 

Para avaliar as iniciativas que dizem respeito ao sistema de ônibus público urbano, algo digno de nota foi proposto pela BHTrans, empresa que gerencia o planejamento e a execução das políticas de mobilidade e trânsito de Belo Horizonte, Minas Gerais.

Trata-se da criação do Índice de Acessibilidade do Embarque/Desembarque da frota de transporte coletivo de Belo Horizonte, que avalia o grau de facilidade para o embarque/desembarque de passageiros e pode ser aplicado à variedade de veículos existentes no mundo todo.

No site da empresa, temos acesso a uma série de Notas Técnicas de Acessibilidade (NTA), que constituem produto do projeto Política de Acessibilidade na Mobilidade Urbana de Belo Horizonte (Pamu-BH). Na NTA nº 2, versão D, de 24/3/2020, ficamos conhecendo o índice, que abarca os graus de 1 a 10. 

No nível 1, está o ônibus que não oferece nenhuma facilidade e, portanto, é “não acessível”. No 10, está o veículo que atende aos princípios do desenho universal. No Brasil, há ônibus que se enquadram em todos os níveis, exceto 7 e 9. A seguir, alguns para nosso conhecimento, obtidos na citada nota.

Ônibus do nível 10 (com desenho universal)

onibus curitiba

Existe modelo do tipo na cidade de Curitiba, que infelizmente ainda não tive oportunidade de conhecer. Conta com rampa automática projetada para a plataforma de uma estação-tubo, permitindo o embarque/desembarque em nível de todos os passageiros, com autonomia e segurança, por todas as portas.

Ônibus do nível 9 (em nível com uma rampa automática)

Winnipeg onibus

Temos exemplo em Winnipeg, Canadá. Tem rampa veicular automática projetada para a calçada, permitindo o embarque / desembarque em nível de todos os passageiros, com autonomia e segurança, por uma porta.

Ônibus do nível 8

brt move

Temos exemplo em operação no sistema BRT Move de Belo Horizonte, com destaque para a porta única, onde há rampa veicular manual (fechada) instalada na porta central do veículo, permitindo, quando basculada, o embarque/desembarque em nível dos passageiros na plataforma de uma estação de integração ou de transferência.

Ônibus do nível 5 [alguma facilidade de embarque / desembarque]

brt belo horizonte

Temos exemplo operando no BRT (misto) Move de Belo Horizonte. Tem piso alto. Por isso, condiciona o embarque/desembarque dos passageiros com mobilidade reduzida, no percurso fora dos corredores de transporte, ao uso de elevador, lembrando que todos os veículos do BRT misto Move de Belo Horizonte possuem elevador hidráulico e seu uso não é exclusivo para cadeirantes.

Empenho e persistência

O estudo disponibilizado pela BHTrans mostra não somente que existem eficientes modelos de ônibus em circulação, mas também que é factível implementar o desenho universal no sistema de transporte, atendendo assim a todos os públicos.

Não me parece utópico pensar que, no Brasil, temos condições de avançar bastante nesse quesito, em poucos anos, proporcionando à população transporte de qualidade para exercer suas atividades. Contudo, não podemos abrir mão de investir na conscientização de que a acessibilidade é boa para todas as pessoas. 

No início deste texto, você ficou sabendo que acompanhei décadas de ações em busca de acessibilidade no Brasil. Agora, quero contar algo mais. 

Gosto muito de viajar, e é comum que eu experimente o transporte público das cidades que visito. No Brasil e no exterior, já tive a oportunidade de usar tanto transporte com nenhuma facilidade quanto veículos produzidos com desenho universal, além de circular com minha cadeira de rodas tanto por calçadas esburacadas e sem rebaixamentos, quanto por passeios bem-cuidados e com rebaixamentos adequados.

Para muitas pessoas, talvez a acessibilidade ainda esteja na categoria do sonho ou seja apenas uma bonita teoria. Para mim, é a certeza de que sou mais ou menos deficiente dependendo da qualidade dos equipamentos urbanos. 

Usar o serviço de ônibus de Londres e Barcelona, por exemplo, ficará marcado em minha memória como a prova de que um mundo melhor é possível e nos aguarda no futuro. Se próximo ou distante, caberá a nós decidir, pois somos nós que construímos esta história.

No final das contas, acessibilidade significa, nada mais, nada menos, que mais pessoas realizando ações que levam a cidade a crescer. Por que não investir nisso?

laura martins

Laura Martins
Cadeirante e vive em Belo Horizonte. Gosta tanto de viajar que criou o blog Cadeira Voadora a fim de compartilhar experiências de viagem com acessibilidade. Segundo ela, seu objetivo é deixar asas na porta das pessoas, para criarem coragem e começarem a “voar”. Também trabalha com consultoria e palestras, a fim de que a tão desejada “cidade para todos” seja um dia algo tão corriqueiro que nem chame mais atenção.

6 respostas

    1. Marcos, muito obrigada! Parabéns a vc também, pela produção das valiosas notas que consultei.

  1. Muito bom ,as informações sou tbm cadeirante e já vivi muitas dificuldades com transporte público…

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