É imediato supor que os parques com rampas, sanitários e bons equipamentos estariam aptos a receber pessoas com deficiência. Não é bem assim!
“As cidades são locais onde as pessoas se encontram para trocar ideias, comprar e vender, ou simplesmente relaxar e se divertir. O domínio público de uma cidade – suas ruas, praças e parques – é o palco e catalisador dessas atividades.”
Richard Rogers
Podemos considerar que um espaço público de qualidade é aquele que permite acesso a todos oferecendo condições básicas de conforto e segurança. Segurança se conquista com a presença de pessoas, com usos diversificados, com espaços permeáveis ao olhar e ao caminhar. Conforto pode estar associado a uma boa infraestrutura.
Sob este prisma, é imediato supor que os parques com rampas, sanitários e bons equipamentos estariam aptos a receber pessoas com deficiência. Não é bem assim. Rampas, sinalização e sanitários são essenciais, mas não são suficientes para tornar um lugar acessível.
Em várias partes do mundo têm-se estimulado o uso da bicicleta como meio modal, tem-se defendido conceitos urbanísticos onde o “morar perto” é mais que comodidade, é sustentabilidade. Mas na prática, os percursos entre a moradia e os espaços de lazer são sempre cheios de barreiras e desafios para o pedestre. A dificuldade se amplia progressivamente à medida que a deficiência é severa.
Ao sair de casa, ainda que possamos encontrar situações favoráveis no nosso destino, as barreiras poderão ser intransponíveis ao longo do trajeto. A acessibilidade tem início na cidade, na qualidade das calçadas e travessias e na eficácia da sinalização e do transporte.
Caminhos: a qualidade do pavimento
Uma rota acessível deve ser constituída de pisos firmes e estáveis, largos o suficiente para acomodar ao menos duas cadeiras de rodas, lado a lado. O ideal é que seja construída com materiais que permitam fácil manutenção e não ofereçam risco de queda, mesmo quando molhados.
Materiais emborrachados podem ser uma boa opção, pois se caracterizam como um piso resistente, regular, antiderrapante e atérmico. O uso da cor também é um bom recurso para delimitar caminhos, especialmente o vermelho que tem no verde sua cor complementar e oferece um contraste ideal entre piso e vegetação.
Quando bem executadas e preservadas, passarelas suspensas em madeira também são eficientes, pois garantem acesso sem alterar a topografia.
O projeto do pavimento também deve prever áreas drenantes e declividade que favoreça o escoamento de águas pluviais para evitar alagamentos, afinal, poças d’água também são obstáculos.
É preciso um cuidado especial para que haja pontos de descanso a cada 50m, preferencialmente intercalando espaços sombreados e expostos ao sol, fora das áreas de passagem.
Sinalização no piso
A sinalização tátil no piso deve ser utilizada para auxiliar pessoas com deficiência visual a trafegarem sozinhas. Ela não atende apenas aos cegos, mas também a pessoas com baixa visão como idosos, míopes severos e daltônicos, por esta razão precisa estabelecer contraste com o piso.
Deve ser usada em duas situações específicas: para direcionar um caminho ou alertar a presença de obstáculos. Deve ser aplicada essencialmente onde for necessária, na medida em que a informação precisar ser passada. Sem exageros e com critério.
A Vegetação
A vegetação assume um papel primordial nas áreas de lazer, além de construir a paisagem, atrair pássaros e proporcionar sombra.
Se bem aplicada, ela estimula os sentidos e permite à pessoa com deficiência visual ampliar sua percepção sobre o espaço que a circunda.
Através do tato e do olfato, jardins sensoriais podem vir a compensar parcialmente a ausência da visão. Aprimorando a experiência do usuário, a audição também pode ser estimulada através da água e outros elementos que compõe o paisagismo. Os sons também podem ser usados como meio de informação e sinalização, associado à linguagem gráfica e visual.
Mas nem tudo são rosas.
Os espinhos e os galhos que se projetam sobre os caminhos são armadilhas para pessoas com deficiência visual, principalmente quando se encontram na altura do rosto.
Raízes invasivas podem danificar o piso e comprometer a segurança de quem caminha.
Por isso as podas de árvores e arbustos devem ser regulares, preservando as passagens e respeitando uma altura livre sob as copas de no mínimo 2,10m.
A escolha das plantas também é fundamental.
Plantas largamente usadas no paisagismo, inclusive flores aparentemente belas e inofensivas, podem esconder perigos. É o caso da hortênsia, da espirradeira e até da popular azaléa, cuja ingestão pode causar distúrbios cardíacos e digestivos.
Espécies tóxicas, com pontas ou espinhos, devem ser evitadas nas áreas de proximidade com o público.
O mobiliário
Nos últimos anos surgiram em várias partes do país, parques com brinquedos adaptados motivados pelas Leis 10.098:2000 e 13.443:2017, que estabeleceram a obrigatoriedade de brinquedos e equipamentos acessíveis na razão de 5% em parques de diversão e espaços públicos.
Para cumprir os princípios do Desenho Universal, os brinquedos devem permitir que crianças com e sem deficiência possam brincar juntas. Esse é o primeiro passo para a formação de um adulto que sabe respeitar as diferenças.
Os brinquedos devem favorecer a comunicação através de imagens e texturas, a troca de olhares, o desenvolvimento corporal, a interação em alturas e distâncias distintas, a alta estima e o convívio social.
Mas a acessibilidade nos parques infantis extrapola o universo da criança, pois pode ser que a deficiência seja dos pais. Nesse sentido, todos os espaços e seus equipamentos devem abranger as mais diversas necessidades, criando condições de socialização e interação irrestrita. Equipamentos como sanitários, trocadores e bebedouros, devem permitir que os pais com deficiência tenham autonomia para acompanhar seus filhos. Mapas táteis e informações visuais e em braile também são essenciais.
Os bebedouros devem garantir aproximação e uso autônomo, bancos devem permitir acomodar pessoas em cadeiras de rodas ao lado dos assentos e todo o conjunto de equipamentos deve ser pensado e passar por manutenção constante.
Alguns parques oferecem roteiros turísticos, ecológicos e esportivos voltados para pessoas com deficiência, incluindo trilhas sensoriais, passeio às cegas, arvorismo e até saltos de paraquedas. Essas atividades se realizam na plenitude quando permitem que pessoas com e sem deficiência tenham a mesma experiência.
Iluminação
Um detalhe que não pode ser menosprezado são as barreiras lumínicas causadas pela falta, pelo excesso ou pela má iluminação.
Em espaços abertos, é preciso estar atento à formação de sombras e ofuscamentos visuais, resultantes do mal posicionamento de alguns elementos em relação à incidência solar.
À noite, quando entra em cena a iluminação artificial, é preciso avaliar os efeitos que se quer alcançar. Sendo uma iluminação focada ou difusa, ela deve levar em conta a necessidade de manter as informações essenciais visíveis. Escadas, rampas e placas de sinalização devem receber uma luz uniforme que não interfira na cor e na forma desses elementos.
Uma das melhores praças do mundo
A imagem acima é a vista aérea da Pionner Courthouse Square, conhecida com “sala de visitas de Portland” e considerada uma das melhores praças do mundo. Ela naturalmente convida quem passa pela 6ª Avenida ou pela S.W. Broadway a ingressar em seus generosos espaços. Apesar do grande desnível entre uma rua e outra, os 3.700 m2 da praça são absolutamente permeáveis.
A rampa semicircular que se desenvolve entre os degraus da arquibancada não tem corrimãos ou pisos táteis. No Brasil, esta solução estaria fora das normas e possivelmente não encontraria respaldo dos órgãos municipais, mas é este elemento que fortalece a sensação de pertencimento.
Contrariando as convenções, a rampa se apresenta tão bela quanto funcional.
Aqui, a acessibilidade é o elemento gerador e articulador da forma.
Talvez lugares assim tenham mais a nos dizer que palavras impressas em textos regulamentadores. Talvez estejamos no momento de dirigir o olhar a experiências que fazem sucesso e começar a entender a acessibilidade como item indissociável do desenho urbano. Quem sabe então, possamos efetivamente construir cidades acessíveis, embasadas nem tanto em um número incontável de leis, mas apenas e tão somente, em sete princípios básicos.
Cristiane Kröhling Bernardi
Arquiteta e Urbanista graduada pela PUC-Campinas, Mestre e doutoranda pelo IAU- Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP. Possui vasta experiência projetual e docente, concentrando pesquisas em Acessibilidade e Mobilidade Urbana.
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