Apesar de a cidade que visitávamos ter uma sucessão sem fim de ladeiras, o Cláudio transformou a nossa viagem com sua atitude acessível
Será que cometi um erro quando, ao fazer o roteiro de nossa viagem para o Chile, em 2017, resolvi incluir Valparaiso? Eu sabia que não poderia contar com arquitetura acessível, até porque a geografia não ajudava. Mas será que poderia contar com uma atitude acessível por parte da população?
Cidade portuária com belíssima vista para o mar, Valparaiso é conhecida pelas colinas íngremes com seus funiculares (bondinhos), pelas casas coloridas dependuradas nas ladeiras e pela arte de rua, com casas, muros e escadas grafitadas. Ao lado, fica Viña del Mar, balneário cuja costa é tão bela quanto a de sua vizinha.
Mas como perder a oportunidade de visitar essas duas cidades num bate e volta desde Santiago?
Apesar de estar acompanhada de minha mãe e um dos meus irmãos, nenhum dos dois estava em condições de me auxiliar a subir/descer ladeiras, entrar em mirantes e por aí vai.
Porém, ao finalizarmos os passeios, cheguei à conclusão de que não foi má escolha e já vou te contar a razão.
Tentando evitar problemas
Antes de viajar, com meses de antecedência, costumo fazer pesquisa do destino e planejamento dos passeios. Examinando as características dos locais que visitaríamos, assim como o sistema de transporte, tive a ideia de contratar automóvel com motorista para visitarmos as vinícolas, assim como as cidades de Valparaiso e Viña del Mar.
Em Santiago não seria difícil a locomoção, uma vez que o metrô tem bom acesso para cadeirantes, e era simples pedir automóvel por aplicativo. Mas, para sair da cidade, a situação era diferente. Ir por conta própria não nos parecia boa ideia, porque, de qualquer modo, precisaríamos de automóvel para nos locomover nos locais.
Sem contar que perderíamos tempo, o qual, em viagens, é ainda mais precioso! Não tínhamos muitos dias pela frente, e eles precisariam ser bem aproveitados.
Mas eu não poderia imaginar o que estava por vir.
Lá vamos nós, subindo e descendo ladeira…
Já tinham me alertado que Valparaiso, em matéria de ladeiras, era similar à nossa Ouro Preto, em Minas Gerais, onde moramos. Mas, gente, ao chegar lá vimos que aquilo era pra acabar com a vida de qualquer mortal sem deficiência!
Assim, logo percebemos nosso grau de sanidade ao decidir contratar o Cláudio, motorista brasileiro radicado em Santiago, mesmo sabendo que o automóvel seria uma van sem acessibilidade. Mas ele havia prometido que me ajudaria a entrar em segurança.
Minha mãe é idosa, tem diabetes, pressão alta, e meu irmão não estava muito bem de saúde. Bem, não seria somente eu que o Cláudio precisaria ajudar.
Mas como será que ele se saiu?
Sem atitude não há solução
Preciso ser honesta: apesar de a van não ser acessível, e de a cidade que visitávamos ter uma sucessão sem fim de ladeiras, o Cláudio transformou a nossa viagem com sua atitude acessível.
Ele sacou da manga habilidades para nos ajudar na van e para conduzir minha cadeira de rodas até os lugares mais improváveis.
Foi assim que pudemos visitar La Sebastiana, uma das três casas onde viveu o famoso poeta Pablo Neruda, a qual hoje abriga um museu. Com a ajuda dele, consegui entrar na lojinha/livraria e até chegar até um deque com vista para o mar, apesar de a casa estar no topo do morro e sem nenhuma condição de acessibilidade. Mas que vista! E voltei cheia de livros para mim e meu sobrinho.
Também consegui visitar um mirante com uma escadinha, só para ter a oportunidade de ficar de boca aberta mirando os reflexos que o sol ia deixando naquele mar de um azul que eu ainda não conhecia…
Fizemos outros passeios improváveis, ora somente admirando os grafites de dentro do carro, ora descendo para ver com os olhos e pegar com as mãos. É assim mesmo, turista é bobo demais… rs
E, numa das vinícolas, o Cláudio ainda nos conduziu até um pomar com nogueiras e colheu nozes para nós. Gente, eu comi nozes no pé!!
O ideal e o possível
Nem cheguei a saber se o povo do local é simpático e acolhedor e se haveria acessibilidade atitudinal, porque não precisamos.
O ideal seria que tudo fosse arquitetonicamente acessível para pessoas com deficiência, mas sabemos que não é simples fazer mudanças em locais históricos, assim como nos ambientes naturais, embora não seja impossível criar alternativas.
Entretanto, é algo que leva tempo e requer o empenho de todos. O processo parece estar apenas começando em Valparaiso e um pouco mais adiantado em Viña del Mar. Nas vinícolas (visitamos três), vimos algumas iniciativas de acessibilidade, mas ainda será preciso melhorar.
Porém, nosso motorista/anjo da guarda representa um exemplo de como uma atitude acessível pode mudar uma experiência, que poderia ter sido um fiasco, ou, no mínimo, um passeio apenas agradável. Mas não: foi sensacional!
Como contratar anjo da guarda
Caso prefira, é possível fazer esses passeios usando metrô combinado com táxi, e os blogs de viagem ensinam direitinho. Porém, nós optamos por poupar tempo e evitar estresse.
Na época, entrei em contato com a Rosi, do excelente blog Nós no Chile, pedindo indicação de motorista. Ela me apresentou ao Nicolás, da Bossa Turismo. Conversei com ele quase todos os dias pelo WhatsApp, durante cerca de três semanas, para combinarmos tudo: passeios, trajetos, valores, horários.
Desde o início Nicolás, que se comunica muito bem em português, se mostrou gentil, claro e objetivo. Você acredita que ele entendeu perfeitamente minhas necessidades específicas sem que eu precisasse ficar explicando?
Nicolás nos destinou seu motorista Cláudio Corrêa, que agora você já conhece. É um brasileiro simpático, prestativo e proativo, dirige muito bem e ainda atua como anjo da guarda… Ele nos buscou no aeroporto e fez os passeios fora da cidade.
O carro da agência era uma Van Hiunday H1, grande e confortável. Consegui entrar com a ajuda do meu irmão e do Cláudio, mas tenho os braços fortes e bom equilíbrio. Se não for seu caso, é melhor pedir uma van com plataforma elevatória.
Todas as indicações e informações que o Cláudio nos passou foram preciosas. E com certeza eu não conseguiria alcançar alguns locais se não fosse pelo auxílio dele.
O motorista que nos levou ao aeroporto foi o Anthony, que é chileno, mas fala um pouco de português; também é simpático e prestativo. No atrapalhado e lento check-in do Aeroporto Internacional Arturo Merino Benítez, nos auxiliou calmamente a resolver todos os perrengues. Só temos a agradecer a todos eles pelos excelentes serviços.
Atualmente, o Cláudio tem sua própria agência, a Turischile.
- Nicolás: +56 9 94452131 (WhatsApp) | Instagram: @bossaturismo
- Cláudio Correa: +56 9 75780394 (WhatsApp) | Instagram: @turischilebr_
Indicação de hotel em Santiago
Para uma pessoa com deficiência, o ideal é que o local de hospedagem seja bem localizado: próximo de pontos de parada do transporte público, para favorecer os deslocamentos; em local com baixa declividade, para tornar a circulação menos penosa; e, quem sabe, até próximo de alguns pontos turísticos, assim não precisaremos gastar muito tempo indo de um lugar a outro.
Foram esses alguns dos critérios que usei para escolher o Crowne Plaza Santiago. Mas, é claro, o principal era que ele oferecesse os itens de acessibilidade que preciso para uma estadia confortável. Compartilho com você as principais características do local, para que possa avaliar, por si mesmo, se atende a suas expectativas e necessidades específicas. Para detalhes, é só conferir o post no meu blog.
O Crowne fica na região central, próximo de duas estações de metrô e de pontos de ônibus, todos com acessibilidade. Como está perto de algumas atrações turísticas, dá pra gente se divertir muito a pé, almoçar, curtir um bar à noite.
A equipe é excepcional, então a acessibilidade atitudinal está garantida. Havia uma rampinha para acessar a entrada, que é plana. Todos os ambientes e corredores são amplos, mas nos andares os corredores têm carpete.
O quarto em que fiquei era amplo e confortável, com tudo na altura adequada, incluindo os cabides no guarda-roupa. O único senão era a cama muito alta. Banheiro amplo, com piso antiderrapante, cortina na área do banho e cadeira de banho (não era cadeira higiênica).
No banheiro, alguns problemas: a pia tinha abertura frontal; mesmo assim os joelhos batiam no encanamento. E as barras de apoio ao lado do vaso sanitário o cercam totalmente e não são retráteis, o que impede a aproximação lateral.
Vamos passear em Santiago?
Por causa do excelente transporte público, é possível que você não precise contratar motorista para os passeios na capital. Porém, caso ache mais confortável, também poderá contar com o Cláudio ou o Nicolás.
Alguns dos lugares que te indico estão avaliados por mim no App Guiaderodas e também no meu blog! Espero que as informações te ajudem a selecionar alguns entre tantos passeios possíveis.
No mais, tenha em mente que visitei a cidade em 2017 e que muita coisa certamente melhorou!
Vinícolas: Santa Rita, Veramonte e Concha y Toro
Bate e volta: Valparaiso e Viña del Mar
Em Santiago, visite com acessibilidade o mirante Sky Costanera, que fica no 61º andar do edifício e é a torre mais alta da América Latina! Aproveite para conhecer o shopping Costanera Center, moderno e atraente.
Passeie pela praça onde fica o Palacio de la Moneda e circule um pouco pelo centro da cidade. Vale circular também pela Calle Lastarria, um reduto boêmio, ótimo para passear ao ar livre e bater ponto em algum bar ou restaurante. Adoramos o Bocanáriz, que não é acessível, embora dê pra encarar, dependendo do tamanho do equipamento que você usa.
Não havia acessibilidade para os cerros (os belos montes, com lindas vistas), mas volte a conferir quando for, porque tudo muda, não é mesmo?
As casas onde viveu o famoso poeta Pablo Neruda não têm acessibilidade, mesmo assim fomos a duas delas, porque é agradável passear até lá. Tirei fotos do lado externo de La Chascona, em Santiago, e consegui entrar em La Sebastiana, como você leu no início do texto.
Talvez você queira passear em um dos parques, pois tudo é bem cuidado e bonito.
Por fim, saiba que não é difícil ir até o Valle Nevado, caso suporte as inúmeras curvas fechadas que o automóvel terá de fazer. Combine com seu motorista e tome antes um remedinho para enjoos… rsrs
Pertinho de casa
Esta viagem é ótima para todos, mas principalmente para as pessoas com deficiência que estão começando a se aventurar fora de casa, principalmente se for o primeiro destino internacional.
São poucas horas de voo, e por isso o preço não é tão salgado. Santiago não é uma cidade barata, mas, com alguma pesquisa, é possível baixar os custos. E ainda se pode conhecer outros lugares num bate e volta!
É um passeio que agradará a pessoas de diferentes estilos, porque oferece natureza, cultura e boemia!!
Gostou? Marque a data!! Claro, assim que a pandemia der uma trégua e for seguro viajar!
Até a próxima, pessoal!
Como organizar uma viagem com acessibilidade
Laura Martins
Cadeirante e vive em Belo Horizonte. Gosta tanto de viajar que criou o blog Cadeira Voadora a fim de compartilhar experiências de viagem com acessibilidade. Segundo ela, seu objetivo é deixar asas na porta das pessoas, para criarem coragem e começarem a “voar”. Também trabalha com consultoria e palestras, a fim de que a tão desejada “cidade para todos” seja um dia algo tão corriqueiro que nem chame mais atenção.
Respostas de 2
Ótimo trabalho!
Após perder muito tempo na internet encontrei esse blog
que tinha o que tanto procurava.
Parabéns, Gostei muito.
Meu muito obrigado!!!
Que legal Marcos!
Bom ter você nos acompanhando!