Para especialistas e professores, a inclusão vai muito além de colocar crianças com necessidades diferentes em uma mesma sala de aula
Uma escola inclusiva é aquela que abre espaço para o pleno desenvolvimento de todas as crianças. Brancas, pardas, negras ou indígenas. Com deficiência ou não. Acolhendo, valorizando e trabalhando as necessidades, as habilidades e as expectativas de cada aluno em qualquer período da vida escolar. Quando bem feita, faz com que alunos, professores e funcionários sintam-se parte de uma mesma comunidade.
Pensar nesta lógica aplicada à educação infantil não é diferente, mesmo em uma fase de descobertas e experimentações onde o lúdico sobrepõe a oralidade como uma estratégia eficiente de ensino dos aspectos físicos, motores, cognitivos, sociais e emocionais.
Mas como garantir que o ensino seja de fato inclusivo? É aí que mora o x da questão.
No curso “Educação Infantil numa Perspectiva Inclusiva”, promovido pelo Núcleo de Educação e Estudos da Infância (Nein) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a psicóloga e professora Carla Karnoppi Vasques ressalta – especificamente sobre a criança com deficiência – que uma das premissas essenciais da inclusão na primeira infância é o acolhimento. É não estigmatizar o aluno a partir de seu diagnóstico médico.
Neste sentido, a professora pontua que a escola não deve olhar para o estudante como “a criança autista”, mas “o João”, “a Maria”. Isso não significa desconsiderar as limitações que eles podem apresentar, mas tentar trabalhar as suas potencialidades junto aos outros colegas em sala de aula. E isso pode ser feito através da organização das práticas pedagógicas e cotidianas.
“Nosso convite é uma inversão ao olhar. É pensar em uma outra lógica. Numa lógica que vê, narra, escreve e insere a criança pequena e a sua deficiência não como uma marca da falta de capacidade, mas como força e como potência. Como um convite para que possamos nos reinventar”
comenta Carla em uma das aulas
O curso online e gratuito da UFSCar foi organizado em seis encontros que tratam o tema da educação infantil inclusiva em diversas perspectivas, da criança negra a com deficiência. As aulas estão disponíveis no Youtube e podem ser acessadas clicando aqui.
Outros olhares sobre a inclusão
Em entrevista a uma das edições do Boletim do Professor, da Fundação Lemann, a professora bilíngue (português-libras) e criadora do canal Sala 8, no YouTube, Doani Emanuela Bertan, destaca que o que faz a inclusão na educação são as interações. Por isso, na visão dela, não basta apenas colocar estudantes com necessidades diferentes em um mesmo ambiente:
“Dividir o espaço físico nunca vai ser caracterizado como inclusão. Colocar uma criança com surdez em uma sala de aula com outras crianças, onde ninguém sabe a língua dela, (libras) não é inclusivo. O que faz a inclusão são as interações”, comenta.
O Instituto Rodrigo Mendes, especialista em educação inclusiva, também foi ouvido pelo Boletim da Fundação Lemann, e concorda que no casos das crianças surdas, as metodologias expositivas e baseadas na oralidade, utilizadas nas escolas comuns da educação infantil ao ensino médio, nem sempre são as mais adequadas.
A instituição conta que para alguns grupos da comunidade surda, há um entendimento de que eles se desenvolvem melhor em um ambiente em que a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é a primeira língua de ensino e o português a segunda.
No entanto, sem ignorar aspectos da qualidade de ensino, o instituto também pontua que o convívio com um ambiente diverso é positivo. Para eles, o modelo de educação tradicional deveria ser repensado:
“Quando ouvimos as críticas sobre as metodologias serem muito expositivas, nós concordamos, mas acreditamos que isso seja ruim para todos os estudantes, não apenas os surdos. Por isso, entendemos que no aspecto da qualidade é preciso que as avaliações e metodologias evoluam no sentido de contemplar todos os estudantes, pensando em um desenho universal para a aprendizagem e que possibilitem trabalhar o melhor de suas potencialidades. Em resumo, a escola precisa mudar e evoluir para incluir a todos, mas a segregação não pode ser o caminho em nenhuma hipótese”, defende.
A importância do ouvir
Ouvir o que a criança tem a dizer é um dos caminhos apontados como uma ferramenta eficiente para um melhor processo de inclusão. Quais as impressões que ela tem da escola? Como se sente perante os outros colegas? Quais as atividades que mais gosta e menos gosta?
A partir destas percepções, construir uma base de diálogo constante entre a criança, os pais, os educadores e a escola pode contribuir para um ambiente mais rico, onde as práticas pedagógicas podem ser revistas, o aluno pode se sentir mais confortável e todos podem crescer juntos, como parte de um todo.
Alessandra Petraglia
Jornalista, produtora de conteúdo multimídia e instrutora de yoga tentando gerar uma transformação positiva no mundo.