Conheça artistas que produziram grandes obras sem ouvir e saiba como pessoas com deficiência auditiva sentem os sons
Pode parecer absurdo para alguns, mas a relação entre o ofício de músico e a surdez é bem próxima. Pela constante exposição ao som alto, é comum que profissionais dessa área venham a sofrer problemas auditivos caso não tomem alguns cuidados.
Mas outra coisa que muita gente não percebe é que a deficiência tampouco limita a criação de grandes obras, inclusive aquelas que apreciamos com os ouvidos.
Seja adquirida no início ou mais ao final da vida, fato é que existem diversos exemplos históricos e contemporâneos de músicos com deficiência auditiva que trouxeram ao mundo verdadeiros clássicos. Conheça a seguir.
Beethoven
Reza a lenda que o compositor alemão, considerado um dos maiores de todos os tempos, continuou gesticulando para os músicos mesmo após o término da apresentação de sua Nona Sinfonia, quando estreou a composição no Teatro Imperial, em Viena, em 1824. O motivo: ele estava quase completamente surdo.
Até hoje não se sabe ao certo a causa da surdez de Beethoven, mas documentos apontam que por volta dos seus 27 anos os problemas auditivos começaram e foram se agravando até o final da sua vida. Quando compôs a Nona Sinfonia, declarada patrimônio da humanidade pela Unesco, já não ouvia mais.
A explicação para a composição segundo especialistas está na memória e criatividade musical que o compositor adquiriu ao longo da sua vida. Sabe quando criamos textos mentais antes de passá-los para o papel? Para os músicos, o mesmo processo é comum se tratando de partituras.
Evelyn Glennie
A percussionista escocesa, ao contrário de Beethoven, possui deficiência auditiva desde a infância. Mas, assim como o compositor histórico, dedica sua vida à música. Evelyn já venceu o Grammy duas vezes e acumula composições para o teatro, a TV e o cinema, além de já ter interpretado grandes clássicos com várias orquestras pelo mundo.
E ela então, como compõe? A própria Evelyn responde: “Minha carreira e minha vida têm sido sobre ouvir no sentido mais profundo possível. Perder minha audição significou aprender a ouvir de forma diferente, descobrir características do som que eu não sabia que existiam. Perder minha audição me tornou uma ouvinte melhor”.
Hoje ela também atua com consultoria e como palestrante, encabeçando projetos que visam mostrar outras maneiras de ouvir, engajar e capacitar as pessoas na música. No Ted Talk abaixo, ela conta como funciona seu trabalho:
Pete Townshend
Principal compositor da banda britânica The Who, uma das mais influentes da história do rock, o guitarrista apresenta surdez parcial desde os anos 1980. E embora muitos colegas de profissão demorem para se preocupar com a possibilidade de problemas auditivos, Pete se dedica a falar sobre eles.
O uso de retorno nos ouvidos é um dos principais cuidados. A finalidade do aparelho é para que os profissionais ouçam apenas os instrumentos e a sua própria voz, evitando problemas como o tinnitus (zumbido incessante). A desvantagem, porém, é que ele não possibilita ouvir o público, e por isso sua aderência não faz tanto sucesso.
Mais um equipamento que merece atenção são os populares fones de ouvido (Pete atribui a eles sua surdez). O problema aqui está no excesso, de uso e volume. Um alerta para quem gosta de escutar música com fones é o pedido de outra pessoa para abaixar o som – se mais alguém pode ouvir além de você é porque está alto, melhor diminuir!
Mandy Harvey
Mandy canta desde os quatro anos de idade, e apesar de ter ficado um tempo longe da música depois de perder a audição, aos 18, hoje ela acumula quase 30 mil inscritos em seu canal no YouTube com músicas interpretadas na linguagem de sinais.
Cantora e compositora de jazz e pop, Mandy tem mais de 150 mil seguidores no Instagram, onde divulga seu trabalho que continua em constante atividade. Sua participação no American’s Got Talent ficou famosa anos atrás:
Bruno Camurati
Cantor, compositor e designer gráfico, o brasileiro tem quatro álbuns gravados e conta com quase 80 mil ouvintes mensais no Spotify. Sua música mistura jazz com letras de cunho religioso. Em seu perfil no Instagram, além de divulgar seu trabalho, fala sobre sua deficiência em escritos sinceros e sensíveis.
Somos sensações
As pessoas surdas sentem a música por meio de vibrações, gestos, sensações em seu corpo. Ao sentir caixas de som, fones de ouvido e os próprios instrumentos, elas conseguem perceber o som e, quando há letra, intérpretes de libras auxiliam (no YouTube é possível assistir vários “corais de mãos”, interpretando canções clássicas na linguagem dos sinais).
Não à toa, Chopin dizia: “Põe toda a tua alma nisso, toca da maneira como sentes a música!”.
Fontes: BBC, Crônicas da Surdez, Evelyn Glennie Teach the word to listen, Galileu, UOL Música